Últimos sonetos
João da Cruz e Sousa
O coração de todo o ser humano
foi concebido para ter piedade,
ara olhar e sentir com caridade,
ficar mais doce o eterno desengano.
Para da vida em cada rude oceano
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arrojar, através da imensidade,
tábuas de salvação, de suavidade,
de consolo e de afeto soberano.
Sim! Que não ter um coração profundo
é os olhos fechar à dor do mundo,
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ficar inútil nos amargos trilhos.
É como se o meu ser compadecido
ão tivesse um soluço comovido
para sentir e para amar meus filhos!
Neste caminho encontra-se o tesouro
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elo qual tantas almas estremecem:
é por aqui que tantas almas descem
ao divino e fremente sorvedouro.
É por aqui que passam meditando,
que cruzam, descem, trêmulos, sonhando,
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este celeste, límpido caminho
os seres virginais que vêm da Terra,
ensangüentados da tremenda guerra,
embebedados do sinistro vinho.
Do desespero a noite cava e fria,
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de boêmias vis o pérfido absinto
pôs no teu ser um negro labirinto,
desencadeou sinistra ventania.
Desencadeou a ventania rouca,
urda, tremenda, desvairada, louca,
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que a tu'alma abalou de lado a lado.
Que te inflamou de cóleras supremas
e deixou-te nas trágicas algemas
do teu ódio sangrento acorrentado!
Velhas chagas do sol, ensangüentadas chagas
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de ocasos purpurais de atroz melancolia,
luas tristes, fatais, da atra mudez sombria
De trágica ruína em vastidões
pressagas.
Para onde tudo vai, para onde tudo voa,
umido, confundido, esboroado, à toa,
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o caos tremendo e nu dos tempos a rolar?
Que Nirvana genial há de engolir tudo isto,
mundos de Inferno e Céu, de Judas e de Cristo,
luas, chagas do sol e turbilhões do Mar?!
Atravessaste no silêncio escuro
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a vida presa a trágicos deveres
e chegaste ao saber de altos saberes
tornando-te mais simples e mais puro.
Ninguém te viu o sentimento inquieto,
magoado, oculto e aterrador, secreto,
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que o coração te apunhalou no mundo.
Mas eu que sempre te segui os passos
sei que cruz infernal prendeu-te os braços
e o teu suspiro como foi profundo!
És sempre o Assinalado ideal que fica
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sorrindo e contemplando o céu altivo;
dos Compassivos és o Compassivo,
na Transfiguração que glorifica.
Nunca mais de tremer terás direito...
Da Natureza todo o Amor perfeito
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adorarás, venerarás contrito.
Ah! Basta encher, eternamente basta
encher, encher toda esta Esfera vasta
da convulsão do teu soluço aflito!
Glória ao Deus invisível dos nevoentos
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espaços! glória à lua
merencória,
glória à esfera dos sonhos, à
ilusória
esfera dos profundos pensamentos.
Glória ao céu, glória à terra,
glória ao mundo!
todo o meu ser é roseiral fecundo
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de grandes rosas de divino brilho.
Almas que floresceis no Amor eterno!
vinde gozar comigo este falerno,
esta emoção de ver nascer um filho!
Noss'alma fica da clarividência
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dos astros e dos anjos e dos santos,
fica lavada na lustral dos prantos,
é dos prantos divina e pura essência.
Noss'alma fica como o ser que às lutas
as mãos conserva limpas, impolutas,
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em as manchas do sangue mau da guerra.
A Perfeição é a alma estar sonhando
em soluços, soluços, soluçando
as agonias que encontrou na Terra!
Tua voz, teu olhar, teu ar dolente
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toda a delicadeza ideal revela
e de sonhos e lágrimas estrela
o meu ser comovido e penitente.
Com que mágoa te adoro e te contemplo,
ó da Piedade soberano exemplo,
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flor divina e secreta da Beleza!
Os meus soluços enchem os espaços,
quando te aperto nos estreitos braços,
solitária madona da Tristeza!
Não sei que de harpas há em ti vibrando,
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que sons de peregrino estradivário
que lembras reverências de sacrário
e de vozes celestes murmurando.
Mas sei que de alma em alma andas perdido,
atrás de um belo mundo indefinido
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de Silêncio, de Amor, de Maravilha.
Vai! Sonhador das nobres reverências!
A alma da Fé tem dessas florescências,
mesmo da Morte ressuscita e brilha!
A Morte lembra a estranha Margarida
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do nosso corpo, Fausto sem ventura...
ela anda em torno a toda a criatura
uma dança macabra indefinida.
Vem revestida em suas negras sedas
e a marteladas lúgubres e tredas
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das Ilusões o eterno esquife prega.
E adeus caminhos vãos, mundos risonhos!
Lá vem a loba que devora os sonhos,
faminta, absconsa, imponderada, cega!
Toda uma Esfera te deslumbra a vista,
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os ativos sentidos requintados.
Céus e mais céus e céus transfigurados
abrem-te as portas da imortal Conquista.
Eis o grande Momento prodigioso
ara entrares sereno e majestoso
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num mundo estranho d'esplendor sidéreo.
Borboleta de sol, surge da lesma...
Oh! vai, entra na posse de ti mesma,
quebra os selos augustos do Mistério!
A Desventura mais sanguinolenta
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sobre os teus ombros impiedosa desça,
seja a treva mais funda e mais espessa,
todo o teu ser em músicas rebenta.
Em músicas e em flores infinitas
de aromas e de formas esquisitas
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e de um mistério singular, nevoento...
Ah! Só da Dor o alto farol supremo,
consegue iluminar, de extremo a extremo,
o estranho mar genial do Sentimento!
Tudo se abismará desesperado,
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do desespero do Viver batido,
na convulsão de um único Gemido
nas entranhas da Terra concentrado?!
Nas espirais tremendas dos suspiros
a alma congelará nos grandes giros,
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rastejará e rugirá rolando?!
Ou, entre estranhas sensações sombrias,
melancolias e melancolias,
no eixo da alma de Hamlet irá girando?!
Aqueles para os frívolos e ardentes
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razeres de acres inebriamentos:
vinhos, mulheres, arrebatamentos
de luxúrias carnais, impenitentes.
Mas Tu, que na alma a imensidade fechas,
que abriste com teu Gênio fundas brechas
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no mundo vil onde a maldade exulta,
ó delicado espírito de Lendas!
fica nas tuas Graças estupendas,
no sentimento da grandeza oculta!
E fico mudo a ouvi-la, como a prece
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de um meigo coração que está de luto
e livre, já, de todo o mal corrupto,
mesmo as afrontas mais cruéis esquece.
Mas outras vezes, sempre em vão, procuro
dessa voz singular o timbre puro,
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as essências do céu maravilhosas.
Procuro ansioso, inquieto, alvoroçado,
mas tudo na tu'alma está calado,
o silêncio fatal das nebulosas.
Quando será que as límpidas frescuras
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dos claros raios de ondas estreladas
dos céus do Bem, hão de deixar clareadas
almas vis, almas vãs, almas escuras?
Quando será que toda a vasta Esfera,
toda esta constelada e azul Quimera,
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todo este firmamento estranho e mudo,
tudo que nos abraças e nos esmaga,
quando será que uma resposta vaga,
mas tremenda, hão de dar de tudo, tudo?!
Crer é sentir, como secreto escudo,
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a alma risonha, lúcida, vidente...
E abandonar o sujo deus cornudo,
o sátiro da Carne impenitente.
Abandonar os lânguidos rugidos,
o infinito gemido dos gemidos
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que vai no lodo a carne chafurdando.
Erguer os olhos, levantar os braços
para o eterno Silêncio dos Espaços
e no Silêncio emudecer olhando.
Livre da humana, da terrestre bava
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dos corações daninhos que regelam,
quando os nossos sentidos se rebelam
contra a Infâmia bifronte que deprava.
Livre! Bem livre para andar mais puro,
mais junto à Natureza e mais seguro
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do seu Amor, de todas as justiças.
Livre! Para sentir a Natureza,
para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.
Tudo se veste de uma igual grandeza
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quando a alma entre grilhões as liberdades
sonha e sonhando, as imortalidades
rasga no etéreo Espaço da Pureza.
Ó almas presas, mudas e fechadas
nas prisões colossais e abandonadas,
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da Dor no calabouço, atroz, funéreo!
Nesses silêncios solitários, graves,
que chaveiro do Céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!
Ei-lo, do Amor o cálix sacrossanto!
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Bebe-o, feliz, nas tuas mãos o entrego...
És o filho leal, que eu não renego,
que defendo nas dobras do meu manto.
Assim ao Poeta a Natureza fala!
Enquanto ele estremece ao escutá-la,
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transfigurado de emoção, sorrindo...
Sorrindo a céus que vão se desvendando,
a mundos que se vão multiplicando,
a portas de ouro que se vão abrindo!
Rasgas terras e céus, imensidades,
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dos perigos da Vida a vaga brusca,
queima-te o sol que na Amplidão corusca
e consola-te a lua das saudades.
Andas por toda a parte, em toda a parte
a sedução das almas a falar-te,
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como da Terra luminosos marcos.
E a sorrir e a gemer e soluçando
ah! Sempre em busca de almas vais andando
mas em vez delas encontrando charcos!
Cerca-me o mundo mais transfigurado
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nesses sutis e cândidos momentos...
Meus olhos, minha boca vão sedentos,
de luz, todo o meu ser iluminado.
Fico feliz por me sentir escravo
de um Encanto maior entre os Encantos,
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livre, na culpa, do mais leve travo.
De ver minh'alma com tais sonhos, tantos,
e que por fim me purifico e lavo
na água do mais consolador dos prantos!
Tudo é veneno, tudo cardo e praga!
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e as almas que têm sede de falerno
bebem apenas o licor moderno
do tédio pessimista que as esmaga.
Mas a Caveira vem se aproximando,
vem exótica e nua, vem dançando,
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o estrambotismo lúgubre vem vindo.
E tudo acaba então no horror insano
-desespero do Inferno e tédio humano
quando, d'esguelha, a Morte surge, rindo...
Floresce para a Fé, para a Beleza
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da Luz, que é como um vasto mar sem fundo,
amplo, inflamado, mágico, fecundo,
de ondas de resplendor e de pureza.
Andas em vão na Terra, apodrecendo
à toa pelas trevas, esquecendo,
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a Natureza e os seus aspectos calmos.
Diante da luz que a Natureza encerra
andas a apodrecer por sobre a Terra,
antes de apodrecer nos sete palmos!
Símbolo atroz das culpas do Universo,
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espelho fiel das convulsões violentas,
do gasto coração no lodo imerso
das tormentas vulcânicas, sangrentas;
Toda a tua sinistra trajetória
tem um brilho de lágrima ilusória,
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as melodias mórbidas do Inferno...
És Mal, mas sendo Mal és soluçante,
sem a graça divina e consolante,
réprobo estranho do Perdão eterno!
Harmonia nervosa que desola,
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vento noturno dentre os arvoredos
a erguer fantasmas e secretos medos,
nas suas cordas um soluço rola...
Tu'alma é como esta harpa peregrina,
que tem sabor de música divina
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e só pelos eleitos é tangida.
Harpa dos céus que pelos céus murmura
e que enche os céus da música mais pura,
como de uma saudade indefinida.
Que dor fatal e que emoções secretas
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vos tornam sempre assim desconsoladas,
na pungência de todas as espadas,
na dolência de todos os ascetas?!
Nessa esfera em que andais, sempre indecisa,
que tormento cruel vos nirvaniza,
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que agonias titânicas são essas?!
Por que não vindes, Almas imprevistas,
para a missão das límpidas Conquistas
e das augustas, imortais Promessas?!
Do teu olhar um fluido se derrama
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de tão suave, cândida maneira
que és a sagrada pomba alvissareira
que para o Amor toda a minh'alma chama.
Meu ser anseia por teu doce apoio,
nos outros seres só encontra joio,
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mas só no teu todo o divino trigo.
Sou como um cego sem bordão de arrimo
que do teu ser, tateando, me aproximo
como de um céu de carinhoso abrigo.
A mim tal fel essa mudez encerra,
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tais demônios revéis a estão forjando,
que antes te visse morto, desabando
sobre o teu corpo grossas pás de terra.
Não te quisera nesse atroz e sumo
mutismo horrível que não gera nada,
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que não diz nada, não tem fundo e rumo.
Mutismo de tal dor desesperada,
que, quando o vou medir com o estranho prumo
da alma, fico com a alma alucinada!
Vai no alvoroço, no celeste vinho
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da luz, os bosques acordando cedo,
quando de cada trêmulo arvoredo
parte o sonoro e matinal carinho.
E o Coração vai nobre e vai confiante,
festivo como a flâmula radiante,
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agitada bizarra pelos ventos...
Vai palpitando, ardente, emocionado,
o velho Coração arrebatado,
preso por loucos arrebatamentos!
Ó alma que transbordas, que me inundas
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de brilhos, de ecos, de emoções, de pasmos,
e fazes acordar de atros marasmos
minh' alma, em tédios por charnecas fundas.
Força genial e sacrossanta e augusta,
divino Alerta para o Esquecimento,
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voz companheira, carinhosa e justa.
Tens minha Mão, num doce movimento,
sobre essa Mão angélica e robusta,
espírito imortal do Sentimento!
Que seja a Crença uma celeste brisa
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inflando as velas dos batéis do Oriente
do teu Sonho supremo, onipotente,
que nos astros do céu se cristaliza.
Tua alma e coração fiquem mais graves,
iluminadas por carinhos suaves,
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na doçura imortal sorrindo e crendo...
Oh! Crê! Toda a alma humana necessita
de uma Esfera de cânticos, bendita,
para andar crendo e para andar gemendo!
A graça do consolo e da tranqüilidade
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de um céu de carinhoso e perfumado encanto,
mas sem nenhum carnal e mórbido quebranto,
sem o tédio senil da vã perpetuidade.
Um sonho lirial d'estrelas desoladas,
onde as almas febris, exaustas, fatigadas,
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possam se recordar e repousar tranqüilas!
Um descanso de Amor, de celestes miragens,
onde eu goze outra luz de místicas paisagens
e nunca mais pressinta o remexer de argilas!
Consciências hirsutas de bandidos,
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vesgas, nefandas e desmanteladas,
portas de ferro, com furor trancadas,
dos ócios maus histéricos Vencidos.
Desenterrai-vos das sangrentas furnas
sinistras, cabalísticas, noturnas,
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onde ruge o Pecado caudaloso...
Fazei da Dor, do triste Gozo humano,
a Flor do Sentimento soberano,
a Flor nirvanizada de outro Gozo!
Se a tu'alma é d'estrela e d'harmonia,
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e o que vem dela tem divino encanto,
Deus a proteja no sagrado manto,
no céu, que é o vale azul da Nostalgia.
Deus a proteja na Felicidade
do sonho, do mistério, da saudade,
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de cânticos, de aroma e luz ardente.
E sê feliz e sê feliz subindo,
subindo, a Perfeição na alma sentindo
florir e alvorecer libertamente!
Vamos fazer dos áridos rochedos
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manar a água lustral e apetecida,
elo ansioso coração bebida
no silêncio e na sombra d'arvoredos.
Essas irmãs furtivas das estrelas,
e não formos depressa defendê-las,
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morrerão sem encanto e sem carinho.
Paladinos da límpida Cruzada!
conquistemos, sem lança e sem espada,
as almas que encontrarmos no Caminho.
A graça nobre e grave do quarteto
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recebe a original intolerância,
toda a sutil, secreta extravagância
que transborda terceto por terceto.
E como um singular polichinelo
ondula, ondeia, curioso e belo,
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o Soneto, nas formas caprichosas.
As rimas dão-lhe a púrpura vetusta
e na mais rara procissão augusta
surge o sonho das almas dolorosas...
E ficam como que transfiguradas
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or momentos, na vaga suavidade
de quem se eleva com serenidade
às risonhas, celestes madrugadas.
Mas nada às vezes nelas corresponde
ao Sonho e ninguém sabe mais por onde
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anda essa falsa e fugitiva chama...
É que no fundo, na secreta essência,
essas almas de triste decadência
são lama sempre e sempre serão lama.
Toda a alma que não seja alta e sensível,
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que asas não tenha para as ir vibrando,
nessa Região secreta penetrando
falece, morre, dum pavor incrível!
É preciso ter asas e ter garras
para atingir aos ruídos de fanfarras
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do mundo da tu'alma augusta e forte.
É preciso subir ígneas montanhas
e emudecer, entre visões estranhas,
num sentimento mais sutil que a Morte!
Todos vão trêmulos finalizando,
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para os gelados túmulos partindo,
descendo ao tremedal eterno, infindo,
mortos e mortos, num sinistro bando.
Tudo passa espectral e doloroso,
pulverulentamente nebuloso
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como num sonho, num fatal letargo...
Mas a quem chora os mortos, entretanto,
o Esquecimento vem e enxuga o pranto,
e é esse apenas o consolo amargo!
O sangue canta, o sol maravilhado
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do nosso corpo, em ondas fartas, cheias,
como que quer rasgar essas cadeias
em que a carne o retém acorrentado.
E o sangue chama o vinho negro e quente
do pecado letal, impenitente,
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o vinho negro do pecado inquieto.
E tudo nesse vinho mais se apura,
ganha outra graça, forma e formosura,
grave beleza de esplendor secreto.
Abrangendo da Terra as fundas raias,
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atingindo as esferas mais distantes,
são como incensos, mirras odorantes,
miraculosas, fúlgidas alfaias.
Tudo em que tocam logo transfiguram,
encantam tudo, tudo em torno apuram,
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penetram, sem cessar, por toda a parte.
Alma por alma em toda a parte inflamam.
e grandes, largos, imortais, derramam
as melancólicas estrelas d'Arte!
Ah! Longe o Inferno que flameja e freme,
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longe a Paixão que só no horror floresce...
a alma precisa de silêncio e prece,
pois na prece e silêncio nada teme.
Silêncio e prece no fatal segredo,
perante o pasmo do sombrio medo
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da Morte e os seus aspectos reverentes...
Silêncio para o desespero insano,
o furor gigantesco e sobre-humano,
a dor sinistra de ranger os dentes!
Mas essa mesma algema de amargura,
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mas essa mesma Desventura extrema
faz que tu'alma suplicando gema
e rebente em estrelas de ternura.
Tu és o Poeta, o grande Assinalado
que povoas o mundo despovoado,
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de belezas eternas, pouco a pouco...
Na Natureza prodigiosa e rica
toda a audácia dos nervos justifica
os teus espasmos imortais de louco!
Ascender para a Luz é ser celeste,
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novos astros sentir na imensidade
da alma e ficar nessa inconsútil veste
da divina e serena claridade.
O que é consolador e o que é supremo
Cada alma encontra no caminho extremo,
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quando atinge às estrelas da pureza.
É apenas trazer o Ser liberto
de tudo e transformar cada deserto
num sonho virginal da Natureza!
Nem aspecto nublado nem tristonho!
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Sempre uma doce e constelada Esfera,
empre uma voz clamando: -espera, espera,
lá do fundo de um céu sempre risonho.
Sempre uma voz dos Ermos, das Distâncias!
Sempre as longínquas, mágicas
fragrâncias
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de um voz imortal, divina, pura...
E tua boca, sonhador eterno,
sempre sequiosa desse azul falerno
da Esperança do céu que te procura!
Mostra-me a Raça, o peregrino Ramo
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dos Fortes e dos Justos da Grandeza,
ilumina e suaviza esta rudeza
da vida humana, onde combato e clamo.
Desta minh'alma a solidão de prantos
cerca com os teus leões de brava crença,
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defende com os teus gládios sacrossantos.
Dá-me enlevos, deslumbra-me, da imensa
porta esferal, dos constelados mantos
onde a Fé do meu Sonho se condensa!
Tu'alma lembra vastidões desertas
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onde tudo é gelado e é só espinho.
Mas na minh'alma encontrarás o Vinho
e as graças todas do Conforto certas.
Vem! Há em mim o eterno Amor imenso
que vai tudo florindo e fecundando
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e sobe aos céus como sagrado incenso.
Eis a minh'alma, as asas palpitando,
como a saudade de agitado lenço
o segredo dos longes procurando...
Envolve-te o crepúsculo gelado
5
que vai soturno amortalhando as vidas
ante o responso em músicas gemidas
o fundo coração dilacerado.
A cabeça pendida de fadiga,
sentes a morte taciturna e amiga
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que os teus nervosos círculos governa.
Estás velho, estás morto! Ó dor,
delírio,
alma despedaçada de martírio,
ó desespero da Desgraça eterna!
Fundas regiões do Pranto e do Gemido
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onde as almas mais graves, mais austeras
erravam como trêmulas quimeras
num sentimento estranho e comovido.
As estrelas, longínquas e veladas,
recordavam violáceas madrugadas,
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um clarão muito leve de saudade.
Eu me recordo d'imaginativos
luares liriais, contemplativos
por onde eu já vivi na Eternidade!
Das estrelas serena virgindade,
5
caminho dos rosais do Azul bendito,
alma sem um soluço e sem um grito,
da alta Resignação, da alta Piedade!
Tu, que as profundas lágrimas estancas
e sabes levantar Imagens brancas
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no silêncio e na sombra mais velada...
Derrama os lírios, os teus lírios castos,
em Jordões imortais, vastos e vastos,
no fundo da minh'alma lacerada!
Um anjo meigo e cândido suspira
5
no coração e o purifica e beija...
e o que ele, o coração, aspira, almeja
é sonho que de lágrimas delira.
É sempre sonho e também é piedade,
doçura, compaixão e suavidade
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e graça e bem, misericórdia pura.
Uma harmonia que dos anjos desce,
que como estrela e flor e som floresce
maravilhando toda a criatura!
Quando tudo ruir na febre insana,
5
as vertigens bizarras, pitorescas
de um mundo de emoções carnavalescas
que ri da Fé profunda e soberana;
Vendo passar a lúgubre, funérea
galeria sinistra da Miséria,
10
com as máscaras do rosto descolocadas,
Tu que és o deus, o deus invulnerável,
resiste a tudo e fica formidável,
no Silêncio das noites estreladas!
Subindo lento escadas por escadas,
5
as espirais nervosas do Martírio,
das Ânsias, da Vertigem, do Delírio,
vou em busca de mágicas estradas.
Acompanha-me sempre o teu perfume,
lírio da Dor, que o Mal e o Bem resume,
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estrela negra, tenebroso fruto.
Oh! dá-me a glória do teu ser nevoento
para que eu possa haurir o sentimento
das lágrimas acerbas do teu luto!
Ah! volta-te a esta zona fresca e mansa
5
do Amor e ficarás desafogado,
hás de ver tudo claro, iluminado
da luz que uma alma que tem fé alcança.
O coração que é puro e que é
contrito,
se sabe ter doçura e ter dolência,
10
revive nas estrelas do Infinito.
Revive, sim, fica imortal, na essência
dos Anjos paira, não desprende um grito
e fica, como os Anjos, na Existência.
O Sentimento, quando é nobre e raro,
5
veste tudo de cândida poesia...
um bem celestial dele irradia,
um doce bem, que não é parco e avaro.
Um doce bem que se derrama em tudo,
um segredo imortal, risonho e mudo,
10
que nos leva debaixo da sua asa.
E os nossos olhos ficam rasos d'água
quando, rebentos de uma oculta mágoa,
são nossos filhos todo o céu da casa.
Um ser pertence à música infinita
5
das Esferas, pertence à luz sonora
das estrelas do Azul e hora por hora
na Natureza virginal palpita.
Um ser desdenha das fatais poeiras,
dos miseráveis ouropéis mundanos
10
e de todas as frívolas cegueiras...
Ele passa, atravessa entre os humanos,
como a vida das vidas forasteiras
fecundada nos próprios desenganos.
Sobe dos astros ao clarão radioso,
5
aos leves fluidos do luar nevoento,
às urnas de cristal do firmamento,
ó velho Sonho amargo e majestoso!
Sobe às estrelas rútilas e frias,
brancas virginais eucaristias
10
de onde uma luz de eterna paz escorre.
Nessa Amplidão das Amplidões austeras
chora o Sonho profundo das Esferas
que nas azuis Melancolias morre...
Onde de almas em pálidos idílios
5
o lânguido perfume mais ingrato
magoa tudo e é triste como o tato
de um cego embalde levantando os cílios;
Mundo de peste, de sangrenta fúria
e de flores leprosas da luxúria,
10
de flores negras, infernais, medonhas;
Oh! Como são sinistramente feios
teus aspectos de fera, os teus meneios
pantéricos, ó Mundo, que não sonhas!
Não desças, Alma feita das heranças
5
da Dor, não desças do teu céu divino.
Cintila como o espelho cristalino
das sagradas, serenas esperanças.
Mesmo na Dor espera com clemência
e sobe à sideral resplandecência,
10
longe de um mundo que só tem peçonha.
Das ruínas de tudo ergue-te pura
e eternamente, na suprema Altura,
suspira, sofre, cisma, sente, sonha!
Quantas zonas de luz purificante,
5
quantos silêncios, quantas sombras várias
de esferas imortais, imaginárias,
falam contigo, ó Alma cativante!
Que chama acende os teus faróis noturnos
e veste os teus mistérios taciturnos
10
dos esplendores do arco de aliança?
Por que és assim, melancolicamente,
como um arcanjo infante, adolescente,
esquecido nos vales da Esperança?!
O coração flameja a cada instante
5
com brilho estranho, com fervores vários,
sente a febre dos bons missionários
da ardente catequese fecundante.
Os visionários vão buscar frescura
de água celeste na cisterna pura
10
da Esperança por horas nebulosas...
Buscam frescura, um outro novo encanto...
E livres, belos através do pranto,
falam baixo com as almas misteriosas!
É um grito infernal de atroz luxúria,
5
dor de danados, dor de Caos que almeja.
A toda alma serena que viceja,
só fúria, fúria, fúria,
fúria, fúria!
São pecados mortais feitos hirsutos
demônios maus que os venenosos frutos
10
morderam com volúpia de quem ama...
Vermes da Inveja, a lesma verde e oleosa,
anões da Dor torcida e cancerosa,
abortos de almas a sangrar na lama!
Humilde, com os humildes generoso,
5
orgulhoso com os seres sem Desejo,
em Bondade, sem Fé e sem lampejo
de sol fecundador e carinhoso.
Ó meu ódio, meu lábaro bendito,
de minh'alma agitado no infinito,
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através de outros lábaros sagrados.
Ódio são, ódio bom! sê meu escudo
contra os vilões do Amor, que infamam tudo,
das sete torres dos mortais Pecados!
Grande isolado das terrestres plagas,
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que vives as Esferas contemplando,
braços erguidos, olhar no ar, olhando
a etérea chama das Conquistas magas;
Se é de silêncio e sombra passageira,
de cinza, desengano e de poeira
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este mundo feroz que te condena;
Embora ansiosamente, amargamente
revela tudo o que tu'alma sente,
para ela então poder ficar serena!
Teu ser angelical de luz bondosa,
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verte em meu ser a mais sutil doçura,
uma celeste, límpida frescura,
um encanto, uma paz maravilhosa.
Eu afronto contigo os vampirismos,
os corruptos e mórbidos abismos
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que em vão busquem tentar-me no Caminho.
Na suave, na doce claridade,
no consolo de amor dessa bondade
bebo a tu'alma como etéreo vinho.
Dorme na paz sacramental, bendita,
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onde tudo mais puro resplandece,
onde a Imortalidade refloresce
em tudo, e tudo em cânticos palpita.
Sereia celestial entre as sereias,
ela só quer despedaçar cadeias,
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de soluço em soluço, a alma nervosa.
Ela só quer despedaçar algemas
e respirar nas Amplidões supremas,
respirar, respirar na Luz radiosa.
Ânsias, Desejos, tudo a fogo escrito
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ente, em redor, nos astros inefáveis.
Cava nas fundas eras insondáveis
o cavador do trágico Infinito.
E quanto mais pelo Infinito cava
mais o Infinito se transforma em lava
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e o cavador se perde nas distâncias...
Alto levanta a lâmpada do Sonho,
e com seu vulto pálido e tristonho
cava os abismos das eternas ânsias!
Que tudo é embalde, tudo em vão, perdido
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quando se traz esse divino anseio,
esse doce transporte ou doce enleio
que deixa tudo e tudo confundido.
A Alma que como a vela chega ao porto
sente o melhor consolador conforto
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e a asa nas asas dos Arcanjos toca...
Os santos óleos são a luz guiadora
que vigia por ti na pecadora
terra e o teu mundo celestial evoca!
Os abismos carnais da triste argila
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ele os vence sem ânsias e sem custo...
Fica sereno, num sorriso justo,
enquanto tudo em derredor oscila.
Ondas interiores de grandeza
dão-lhe essa glória em frente à
Natureza,
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esse esplendor, todo esse largo eflúvio.
O ser que é ser transforma tudo em flores...
e para ironizar as próprias dores
canta por entre as águas do Dilúvio!
Fica lá, livre, isenta de perigo,
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tranqüila, pura, límpida, direita
a alma sagrada que resume a seita
dos que fazem do Amor eterno Abrigo.
Ele quer essas almas, os pães alvos
das aras celestiais, claros e salvos
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da Terra, em busca das Esferas calmas.
Ele quer delas todo o amor primeiro
para formar o cândido mealheiro
que há de estrelar todo o Infinito de almas.
Alma dormente, tumultuosa, vária,
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acorde de harpa misteriosa e célia,
virgindade selvagem de bromélia,
alma do Eleito, do Plebeu, do Pária;
És a chama do Amor, negro-vermelha,
de onde rompeu a fúlgida centelha
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que a Flor de fogo fez gerar no Dante.
Com teus espasmos e delicadezas,
nervosas e secretas sutilezas,
enches todo este Abismo soluçante!
Langue visão mortal e sedutora,
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dos Vergéis siderais pálida giesta,
divindade sutil da morna sesta,
da lasciva paixão fascinadora;
Flor fria, flor algente, flor gelada
do desconsolo e dos esquecimentos
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e do anseio, da febre atormentada;
Tu que soluças pelos céus nevoentos
longo soluço mágico de fada,
dá-me os teus doces acalentamentos!
Trazem-me os ventos negros calafrios
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e os soluços das almas doloridas
que têm sede das Terras prometidas
e morrem como abutres erradios.
As ânsias sobem, as tremendas ânsias!
velhices, mocidades e as infâncias
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humanas entre a Dor se despedaçam...
Mas sobre tantos convulsivos gritos,
passam horas, espaços, infinitos,
esferas, gerações, sonhando, passam!
Estrada ideal de São Tiago, antigo
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templo da minha Fé, casta e divina,
de onde é que vem toda esta mágoa fina
que é, no entanto, consolo e que eu bendigo?
De onde é que vem tanta esperança vaga,
de onde vem tanto anseio que me alaga,
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tanta diluída e sempiterna mágoa?
Ah! De onde vem toda essa estranha essência
de tanta misteriosa Transcendência,
que estes olhos me deixam rasos de água?!
Beber na vinha celestial, garrida
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das estrelas o vinho flamejante
e caminhar vitorioso e ovante
como um deus, com a cabeça enflorescida.
Sorrir, amar para alargar os mundos
do Sentimento e para ter profundos
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momentos e momentos soberanos.
Para sentir em torno à terra ondeando
um sonho, sempre um sonho além rolando
vagas e vagas de imortais oceanos.
Tem ais de dor de trêmulo mendigo
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oscilante, sonâmbulo, erradio.
É como um tênue, cristalino fio
d'estrelas, como etéreo e louro trigo.
E a alma aspira o celestial orvalho,
aspira o céu, o límpido agasalho,
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sonha, deseja e anseia a luz do Oriente...
Tudo ela inflama de um estranho beijo.
E este Anseio, este Sonho, este Desejo
enche as Esferas soluçantemente.
Sou como um Réu de celestial Sentença,
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condenado do Amor, que se recorda
do Amor e sempre no Silêncio borda
d'estrelas todo o céu em que erra e pensa.
Claros, meus olhos tornam-se mais claros
e tudo vejo dos encantos raros
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e de outras mais serenas madrugadas!
Todas as vozes que procuro e chamo
ouço-as dentro de mim, porque eu as amo
na minh'alma volteando arrebatadas!
Pelos largos espaços se balança
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como a estrela infinita que dardeja,
sempre isento da Treva que troveja
o clamor inflamado da Vingança.
Por entre enlevos e deslumbramentos
entre na Força astral dos sentimentos
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e do Poder nos mágicos poderes.
E traz, mau grado os íntimos cansaços,
ânsias secretas para abrir os braços
na generosa comunhão dos Seres!
É esta a negra e santa Sexta-Feira!
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Cristo está morto, como um vil leproso,
chagado e frio, na feroz cegueira
da Morte, o sangue roxo e tenebroso.
A serpente do mal e do pecado
um sinistro veneno esverdeado
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verte do Morto na mudez serena.
Mas da sagrada Redenção do Cristo,
em vez do grande Amor, puro, imprevisto,
brotam fosforescências de gangrena!
Pátria d'estrelas dos abandonados,
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casulo azul do anseio vago, aéreo,
formidável muralha de mistério
que deixa os corações desconsolados.
Céu imóvel milênios e milênios,
tu que iluminas a visão dos Gênios
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e ergues das almas o sagrado acorde.
Céu estéril, absurdo, céu imoto,
faz dormir no teu seio o Sonho ignoto,
esta serpente que alucina e morde...
Sigamos para as guerras condoreiras!
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Vem, resoluto, que eu irei contigo.
Dentre as águias e as chamas feiticeiras,
só tendo a Natureza por abrigo.
Rasga florestas, bebe o sangue todo
da Terra e transfigura em astros lodo,
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o próprio lodo torna mais fecundo.
Basta trazer um coração perfeito,
alma de eleito, Sentimento eleito
para abalar de lado a lado o mundo!
Em jorros cristalinos o direito,
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a paz vencendo as convulsões da guerra,
a liberdade que abre as asas e erra
pelos caminhos do Infinito eleito.
Tudo na mesma ansiedade gira,
rola no Espaço, dentre a luz suspira
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e chora, chora, amargamente chora...
Tudo nos turbilhões da Imensidade
e confunde na trágica ansiedade
que almas, estrelas, amplidões devora.
Eterno espasmo de um desejo etéreo
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e bálsamo dos bálsamos da graça,
chama secreta que nas almas passa
e deixa nelas um clarão sidéreo.
Cântico de anjos e de arcanjos vagos
junto às águas sonâmbulas de lagos,
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sob as claras estrelas desprendido...
Selo perpétuo, puro e peregrino
que prende as almas num igual destino,
num beijo fecundado num gemido.
Harmonia de doces lenitivos,
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sombra, segredo, lágrima, harmonia
da alma serena, da alma fugidia
nos seus vagos espasmos sugestivos.
Ó Silêncios! Ó cândidos desmaios,
vácuos fecundos de celestes raios
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de sonhos, no mais límpido cortejo...
Eu vos sinto os mistérios insondáveis,
como de estranhos anjos inefáveis
o glorioso esplendor de um grande beijo!
Da vida aos frios véus da sepultura
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vagos momentos trêmulos decorrem...
E dos olhos as lágrimas escorrem
como faróis da humana Desventura.
Descem então aos golfos congelados
os que na terra vagam suspirando,
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com os velhos corações tantalizados.
Tudo negro e sinistro vai rolando
báratro abaixo, aos ecos soluçados
do vendaval da Morte ondeando, uivando...
Embora o mar, como um revel proscrito,
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chame por mim nas vagas ondulosas
e o vento venha em cóleras medrosas
o meu destino proclamar num grito,
neste mundo tão trágico, tamanho,
como eu me sinto fundamente estranho
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e o amor e tudo para mim avaro...
Ah! Como eu sinto compungidamente,
por entre tanto horror indiferente,
um frio sepulcral de desamparo!
O fantasma da Dor pérfido e astuto
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caminha junto a toda a criatura.
A alma por mais feliz e por mais pura
tem de sofrer o esmagamento bruto.
É preciso humildade, é necessário
fazer do coração branco sacrário
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e a hóstia elevar do Sentimento eterno.
Em tudo derramar o amor profundo,
derramar o perdão no caos do mundo,
sorrir ao céu e bendizer o Inferno!
Óleo da noite, sacrossanto, inunda
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todo o meu ser, dá-me essa castidade,
as azuis florescências da saudade,
Graças das Graças imortais oriunda!
As estrelas cativas no teu seio
dão-me um tocante e fugitivo enleio,
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embalam-me na luz consoladora!
Abre-me os braços, Solidão radiante,
funda, fenomenal e soluçante,
larga e búdica Noite Redentora!
É quem ficou no mundo redimido,
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expurgado dos vícios mais singelos
e disse a tudo o adeus indefinido
e desprendeu-se dos carnais anelos!
É quem entrou por todas as batalhas
as mãos e os pés e o flanco
ensangüentando,
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amortalhado em todas as mortalhas.
Quem florestas e mares foi rasgando
e entre raios, pedradas e metralhas,
ficou gemendo mas ficou sonhando!
Morre com alma leal, clarividente,
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da Crença errando no Vergel florido
e o Pensamento pelos céus brandido
como um gládio soberbo e refulgente.
Vai abrindo sacrário por sacrário
do teu Sonho no templo imaginário,
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na hora glacial da negra Morte imensa...
Morre com o teu Dever! Na alta confiança
de quem triunfou e sabe quem descansa
desdenhando de toda a Recompensa!
Morrer! Findar! Desfalecer! Que importa
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para o secreto e fundo movimento
que a alma transporta, sublimiza e exorta,
ao grande Bem do grande Pensamento!
Chamas novas e belas vão raiando,
vão se acedendo os límpidos altares
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e as almas vão sorrindo e vão orando...
E pela curva dos longínquos ares
ei-las que vêm, como o imprevisto bando
dos albatrozes dos estranhos mares...
A Nestor Vítor
Por Devotamento e Admiração12/10/1897
Para sempre!
Ah! Para sempre! Para sempre! Agora
ão nos separaremos nem um dia...
Nunca mais, nunca mais, nesta harmonia
das nossas almas de divina aurora.
A voz do céu pode vibrar sonora
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ou do Inferno a sinistra sinfonia,
que num fundo de astral melancolia
minh'alma com a tu'alma goza e chora.
Para sempre está feito o augusto pacto!
Cegos serenos do celeste tato,
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do Sonho envoltos na estrelada rede.
E perdidas, perdidas no Infinito
as nossas almas, no Clarão bendito
hão de enfim saciar toda esta sede...
Longe de tudo
E livres, livres desta vã matéria,
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longe, nos claros astros peregrinos
que havemos de encontrar os dons divinos
e a grande paz, a grande paz sidérea.
Cá nesta humana e trágica miséria,
estes surdos abismos assassinos
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teremos de colher de atros destinos
a flor apodrecida e deletéria.
O baixo mundo que troveja e brama
só nos mostra a caveira e só a lama,
ah! só a lama e movimentos lassos...
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Mas as almas irmãs, almas perfeitas,
hão de trocar, nas Regiões eleitas,
largos, profundos, imortais abraços!
III
Alma das almas
Alma das almas, minha irmã gloriosa,
divina irradiação do Sentimento,
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quando estarás no azul Deslumbramento,
erto de mim, na grande Paz radiosa?!
Tu que és a lua da Mansão de rosa
da Graça e do supremo Encantamento,
o círio astral do augusto Pensamento
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velando eternamente a Fé chorosa;
Alma das almas, meu consolo amigo,
seio celeste, sacrossanto abrigo,
serena e constelada imensidade;
entre os teus beijos de etereal carícia,
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sorrindo e soluçando de delícia,
quando te abraçarei na Eternidade?!
FIM