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Frutas e flores6

Laranjas e morangos -quanto às frutas,

quanto às flores, porém, ah! quanto às flores,

trago-te dálias rubras, d'essas cores

das brilhantes auroras impolutas.

Venho de ouvir as misteriosas lutas
5

do mar chorando lágrimas de amores;

isto é, venho de estar entre os verdores

de um sítio cheio de asperezas brutas,

mas onde as almas -pássaros que voam-

vivem sorrindo às músicas que ecoam
10

dos campos livres na rural pobreza.

Trago-te frutas, flores, só apenas,

porque não pude, irmã das açucenas,

trazer-te o mar e toda a natureza!


No campo

Acordo de manhã cedo

da luz aos doces carinhos:

que rosas pelos caminhos!

Que rumor pelo arvoredo!

Para o azul radioso e ledo
5

sobe, de dentro dos ninhos,

o canto dos passarinhos

cheio de amor e segredo.

Dentre moitas de verdura

voam as pombas nevadas,
10

imaculadas de alvura.

Pelas margens das estradas

que penetrante frescura

que femininas risadas!


Luar

Ao longo das louríssimas searas

caiu a noite taciturna e fria...

Cessou no espaço a límpida harmonia

das infinitas perspectivas claras.

As estrelas no céu, puras e raras,
5

como um cristal que nítido radia,

abrem da noite na mudez sombria

o cofre ideal de pedrarias caras.

Mas uma luz aos poucos vai subindo

como do largo mar ao firmamento -abrindo
10

largo clarão em flocos d'escumilha.

Vai subindo, subindo o firmamento!

E branca e doce e nívea, lento e lento,

a lua cheia pelos campos brilha...


[Estas risadas límpidas e frescas]

Estas risadas límpidas e frescas

que Pan trauteia em cálamos maviosos

nesta amplidão dos campos verdurosos,

nestas paisagens flóreas, pitorescas;

toda esta pompa e gala principescas
5

destas searas, destes altanosos

montes e várzeas, prados vigorosos,

louros -talvez como as visões tudescas;

este luxuoso e rico paramento,

feito de luz e de deslumbramento
10

-Do grande altar da natureza imensa.

Aguarda o poeta sacerdote augusto,

para cantar no seu missal robusto,

a nova Missa da razão que pensa...


Os risonhos

Pastores e camponesas

de rudes almas esquivas

passam entre as candidezas

das estrelas fugitivas.

Parece que nada os punge,
5

nada os punge e sobressalta.

A lua que os campos unge

no firmamento vai alta.

E eles passam sob a lua,

de queixas desafogados,
10

a cabeça livre e nua,

na florescência dos prados.

Seres meigos e singelos,

mulheres de lindo rosto,

lábios cálidos e belos,
15

do quente sabor do mosto.

Pastores de tez morena,

queimados ao sol adusto:

Claridade bem serena

no fundo do olhar bem justo.
20

Neles tudo é riso e festa,

neles tudo é festa e riso,

frescuras brandas de giesta

E graças de Paraíso.

Simples, toscas e felizes,
25

sem ter um laivo de mágoa:

Almas das verdes raízes,

limpidez de gota d'água.

Neles tudo é paz de aldeia

e ri com os risos mais frescos...
30

O céu inteiro gorjeia

idílios madrigalescos.

Seduzido por miragens

caminha o bando risonho

dessas virentes paragens,
35

levado na asa de um sonho.

Nele tudo ri sem ânsia

e com doçura secreta;

e como uma nova infância

cantantemente irrequieta.
40

Encantos de mocidade,

saúde, fulgor, vigores,

dão-lhe a doce suavidade

maravilhosa das flores.

Os corações, florescentes,
45

vão nesses peitos cantando

e rindo em festins ardentes

e dentre os risos sonhando.

Ri na boca, ri nos olhos,

nas faces o bando, rindo
50

o bom riso sem abrolhos,

que lembra um campo florindo.

Rindo em sonoras risadas,

rindo em frêmitos vivazes,

rindo em risos de alvoradas,
55

rindo em risos de lilases.

Os campos entontecidos

nos vinhos da lua clara

ficam bizarros, garridos,

de vitalidade rara.
60

As águas claras das fontes

vibram lânguidas sonatas

e as nuvens vestem os montes

das visões mais timoratas.

Na copa dos arvoredos,
65

nas orvalhadas verduras

há sonâmbulos segredos

e murmuradas ternuras.

E o bando festivo passa

rindo, alegre, casto e suave,
70

iluminado de graça,

mais leve que um vôo de ave.

Podeis rir, almas ditosas,

almas novas como frutos

de vinhas miraculosas
75

de pomares impolutos.

Podeis rir, almas eleitas

que os anjos percebem tanto

lá das esferas perfeitas

nas harmonias do Encanto.
80

Almas brancas, Páscoas leves,

alvos pães de áureos altares,

de mais candidez que as neves

e a madrugada nos mares.

Almas sem sombras ferozes
85

nem espasmos delirantes.

Eco das bíblicas vozes,

caminhos reverdejantes.

O vosso riso é bendito,

os vossos sonhos são castos,
90

estrelamento infinito

de mundos claros e vastos.

Podeis rir, peitos ufanos,

belas almas feiticeiras,

vós tendes nos risos lhanos
95

o trigo das vossas eiras.

A vossa vida é planície,

não tem declives funestos:

sois torres que a superfície

assenta nos dons modestos.
100

A vossa vida é bem rasa,

preso à terra o vosso esforço;

nem mesmo um frêmito de asa

vos faz agitar o dorso...

Sois como plantas vencidas,
105

conquistadas pela terra,

dando à terra muitas vidas

e tudo que a Vida encerra.

É do vosso sangue moço

que na terra se derrama,
110

que sobe o rubro alvoroço

de ocasos de sóis em chama.

Manchas, ao certo, não tendes

e nem trágico flagício,

almas isentas de duendes,
115

lavadas no Sacrifício.

Das pedras, nos vossos ombros,

a rigidez não carrega.

Em jardins tornam-se escombros

e em luz a crença que é cega.
120

Desses perfis adoráveis,

na curva casta dos flancos

brotam viços inefáveis

dos florescimentos brancos.

Podeis rir! ó benfazeja
125

bondade de nobre essência.

Deus vos chama e vos deseja

na estrelada florescência.

Um anjo vos acompanha

nessa estrada matutina
130

e convosco a ideal montanha

sobe da graça divina.

O flagelo deste mundo,

nesses corações não pesa.

Enquanto o Horror vai profundo
135

vossa alma tranqüila reza.

Contritos e de mãos postas,

humildemente de joelhos,

o Demônio, pelas costas,

não vem vos dar maus conselhos.
140

Vós sois as sagradas reses

votadas ao azul Sacrário.

Deus vos olha muitas vezes

com o seu olhar visionário.

Mas quando, como as estrelas,
145

adormecerdes um dia,

voando mais perto a vê-las

na Paragem fugidia.

Quando na excelsa Bonança

afinal adormecerdes,
150

nos olhos toda a esperança

levando dos prados verdes.

Quando lá fordes, subindo

para as límpidas Alturas,

profundamente dormindo,
155

em busca das almas puras.

Praza aos céus que nos caminhos

da eterna Glória, das palmas,

mais brancas que os claros linhos

possais encontrar as almas!
160


Ideal comum

Soneto escrito a quatro mãos

Escrito em colaboração com Oscar Rosas


Dos cheirosos, silvestres ananases

de casca rubra e polpa acidulosa,

tens na carne fremente, volutuosa,

os aromas recônditos, vivazes.

Lembras lírios, papoulas e lilases;
5

a tua boca exala a trevo e a rosa,

resplande essa cabeça primorosa

e o dia e a noite nos teus olhos trazes.

Astros, jardins, relâmpagos e luares

inundam-te os fantásticos cismares,
10

cheios de amor e estranhos calafrios;

e teus seios, olímpicos, morenos,

propinando-me trágicos venenos,

são como em brumas, solitários rios.


Pássaro marinho

Manhã de maio, rosas pelo prado,

gorjeios, pelas matas verdurosas

e a luz cantando o idílio de um noivado

por entre as matas e por entre as rosas.

Uma toilette matinal que o alado
5

corpo te enflora em graças vaporosas,

mergulhas, como um pássaro rosado,

nas cristalinas águas murmurosas.

Dás o bom dia ao Mar nesse mergulho

e das águas salgadas ao marulho
10

sais, no esplendor dos límpidos espaços.

Trazes na carne um reflorir de vinhas,

auroras, virgens músicas marinhas,

acres aromas de algas e sargaços!


Sonetos reunidos

[Senhor de nobre alma, tão]

Oferecido e dedicado ao llmo. Sr. M. Bernardino A. Varela pelo autor


Vir bonus dicendi peritus laudandum est.


Senhor de nobre alma, tão

d'entre os sábios conhecido,

de pais excelsos nascido,

aceitai a minha canção.

Probo pai, bom cidadão,
5

sois dos seres melhor ser

por saber tão profundo ter,

sois ilustre qual Catão.

Recebei esta prova mesquinha

de penhor e de oração,
10

produto da pena minha.

Perdoai, mui digno varão,

se na mente eu pobre tinha

cometer-vos indiscrição.


[Da mundana lida, eis que cansado]

Minha vida é um montão de ruínas

em árido deserto um abismo de

ais e de suspiros.


Da mundana lida, eis que cansado,

co'a lira toda espedaçada,

a alma de suspiros retalhada,

cumpre o infeliz seu triste fado.

Ai! que viver mais desgraçado!...
5

Que sorte tão crua e desazada!...

Quem assim tem a vida amargurada

antes já morrer, ser sepultado.

Só eu triste padeço feras dores,

imensas e de fel, sem terem fim,
10

envolto no véu dos dissabores.

Oh! Cristo eu não sei se só a mim

deste essa vida d'amargores,

pois que é demais sofrer-se assim!


[De Mayseder gentil o vulto ingente]

Dieu a fait la mer, les oiseaux, les cieux, toute la nature
enfin; mais les hommes ont découvert les sciences,
les arts et les lettres qui les élèvent
jusqu'à même Dieu.


De Mayseder gentil o vulto ingente

de Corelli, de Spohr e de Nardini,

de Ole Bull supernal, de Veracini

inspirados por Deus c'o plectro ardente;

Dessa lira febril, áurea, potente
5

do artista sem par, de Paganini;

de Viotti dinal, do herói Tardini,

de Lafont, de Baillot, Eck e Laurenti:

Sois rival feliz! e nesse crânio

há em jorros, oh céus! extravasando
10

o ardor musical, o ardor titâneo...

Já bem cedo, veloz, ides galgando

lá da glória os degraus, o supedâneo

sobre um trono de luz rindo e cantando.


(24 dez. 1880)

[Minh'alma está agora penetrando]

Por ocasião dos festejos em homenagem ao sexagésimo primeiro aniversário natalício do eloqüentíssimo tribuno sagrado, Joaquim Gomes d'Oliveira Paiva

Há vultos tamanhos que não
cabendo no globo, vão quedos
Mas solenes, refugiar-se na campa.
D'aí embuçam-se n'um manto infinito
De glórias?...


Minh'alma está agora penetrando

lá na etérea plaga, cristalina!

Que música meu Deus febril, divina

nos páramos azuis vai retumbando!

Além, d'áureo dossel se está rasgando
5

custosa, de primor, esmeraldina

diáfana, sutil, longa cortina

enquanto céus se vão duplando!

Em grande pedestal marmorizado

de Paiva se divisa o busto enorme
10

soberbo como o sol, de luz c'roado

de um lado o porvir -antheu disforme

dos lábios faz soltar pujante brado

hosanas! não morreu! apenas dorme.


[Rompeu-se o denso véu do atroz marasmo]

Por ocasião da comemoração do sexagésimo primeiro aniversario natalício do ilustre pregador catarinense Joaquim Gomes d'Oliveira Paiva

Rompeu-se o denso véu do atroz marasmo

e como por fatal, negro hebetismo

de antro sepulcral, de fundo abismo

o povo ressurgiu com entusiasmo!

O Zoilo mazorral se queda pasmo
5

supõe quimera ser, ser cataclismo

roga, já por dobrez, por ceticismo

de néscio, vil truão solta o sarcasmo.

Perdão, Filho da Luz, minh'alma exora,

porém, a pátria diz, somente agora
10

os grilhões biparti de atroz moleza!

E ele, o nosso herói já redivivo

de pé, sem se curvar, sereno, altivo

co'as raias do porvir mede a grandeza!


[Deixai que deste álbum na folha delicada]

Embeberam-me a pena em fel!

Antônio (Mendes Leal)



Deixai que deste álbum na folha delicada

eu venha difundir meus rudes pensamentos

deixai que as pobres rimas, uns nadas poeirentos

eu possa transudar da mente entrenublada!...

Deixai que de minh'alma na fibra espedaçada
5

eu busque inda vibrar uns cantos tardos, lentos!...

Bem cedo os vendavais, aspérrimos, cruentos

ai! Tudo arrojarão à campa amargurada!

Porém qu'importa isso! dos mares desta vida

nos pávidos, estranhos, enormes escarcéus
10

se alguma coisa val, és tu, ó luz querida!...

Rasguemos do porvir os áditos, os véus!...

riamos sem cessar, embora em dor sentida!...

também as nuvens negras conglobam-se nos céus!


(5 dez. 1882)

[Alçando o livro colossal, ardente]

A mocidade é a alavanca do
templo da ciência, no futuro; só ela tem o direito de ser a força
motriz dos fenômenos intelectuais
das grandes revoluções do pensamento.

Do Autor



Alçando o livro colossal, ardente

traças no crânio um sulco luminoso,

e vais seguindo o remontar garboso

do sol fagueiro lá no espaço ingente!

Ergues a fronte juvenil potente
5

já como herói ou lutador famoso

e c'uma forma de pensar honroso

fazes-te esperança da brasílea gente!

Seis vezes astro de maior grandeza

enfim lá surges nos exames belos,
10

enfim triunfas na brilhante empresa!

Seis vezes quebras da ignorância os elos,

seis vezes vives com mais sã firmeza,

gemem seis vezes a louvar-te os prelos!...


(28 nov. 1882)

O final do guarani

Ceci -é a virgem loira das brancas harmonias,

a doce-flor-azul dos sonhos cor-de-rosa,

peri -o índio ousado das bruscas fantasias,

o tigre dos sertões -de alma luminosa.

Amam-se com o amor indômito e latente
5

que nunca foi traçado nem pode ser descrito.

Com esse amor selvagem que anda no infinito.

e brinca nos juncais, -ao lado da serpente.

Porém... no lance extremo, o lance pavoroso,

assim por entre a morte e os tons de um puro gozo,
10

dos leques da palmeira à nota musical...

Vão ambos a sorrir, às águas arrojados,

mansos como a luz, tranqüilos, enlaçados

e perdem-se na noite serena do ideal!...


(Santos, 15 jul. 1883)

Idéia-mãe

Laborare dignus est operarius mercede sua.

Aforismo latino



Ergueis ousadamente o templo das idéias

assim como uns heróis, por sobre os vossos ombros

e ides através de um negro mar d'escombros,

traçando pelo ar as loiras epopéias.

A luz tem para vós os filtros magnéticos
5

que andam pela flor e brincam pela estrela.

E vós amais a luz, gostais sempre de vê-la

em amplo cintilar -nuns êxtases patéticos.

É esse o aspirar do séc'lo que deslumbra,

que rasga da ciência a tétrica penumbra
10

e gera Vítor Hugo, Haeckel e Littré.

É esse o grande -Fiat- que rola no infinito!...

É esse o palpitar, homérico e bendito,

de todo o ser que vive, estuda, pensa e lê!!...


O seu boné

À atriz Adelina Castro


É um boné ideal, de feltros e de plumas,

que ela usa agora, assim como um turbante

turco, aveludado, doce como algumas

nuvens matinais que rolam no levante.

Lembro quando ao vê-lo a rubra Marselhesa,
5

lembro sensações e cousas de prodígio

e penso que ele tem a máscula grandeza

desse sedutor, vital barrete frígio!...

Às vezes meu olhar medindo-lhe o contorno

e a flácida plumagem que serve-lhe d'adorno,
10

-Satânico, voraz, esplêndido de fé!

Exclama num idílio cândido e singelo,

por entre as convulsões artísticas do Belo;-

oh! tem coração e alma, esse boné!...


(Corte, out. 1883)

[É um pensar flamejador, dardânico]

A Moreira de Vasconcelos


Na luta dos impossíveis,

do espírito e da matéria,

tu és a águia sidérea

dos pensamentos terríveis!

Do Autor



É um pensar flamejador, dardânico

uma explosão de rápidas idéias,

que como um mar de estranhas odisséias

saem-lhe do crânio escultural, titânico!...

Parece haver um cataclismo enorme
5

lá dentro, em ânsia, a rebentar, fremente!...

Parece haver a convulsão potente,

dos rubros astros num fragor disforme!...

Hão de ruir na transfusão dos mundos

os monumentos colossais, profundos,
10

as cousas vãs da brasileira história!

Mas o seu vulto, sobre a luz alçado,

oh! há de erguer-se de arrebóis c'roado,

como Atalaia nos umbrais da glória!!...


(Desterro, 13 jan. 1883)

Oiseaux de passage

Les rêves, les grands rêves que moi toujours adore,

les rêves couleur rose, les rêves éclatants;

ainsi que les colombes un autre ciel cherchants

j'ai vu les ailes ouvertes, si belles que l'aurore.

Autour de la nature, autour de la profonde
5

et merveilleuse mère des fleurs, des harmonies,

les rêves éblouissants, remplis d'amour et vie,

trouvaient de l'espoir le plus doré des mondes.

Hélas!... -mais maintenant, par des chagrins, secrets,

l'amour, les étoiles et tout ce qu'il nous est
10

chéri -le beau soleil, la lune et les nuages;

tout fut plongé d'abord plongé dans le mystère,

avec de mon coeur la douce lumière,

les rêves de mon âme -uns oiseaux de passage!...


Colar de pérolas

Ao feliz consórcio dos estimáveis colegas,
D. Jesuína Leal e Francisco de Castro


A F'licidade é um colar de pérolas,

pérolas caras, de valor pujante,

blas estrofes de Petrarca e Dante,

mais cintilantes que as manhãs mais cérulas.

Para que enfim esse colar bendito,
5

perdure sempre, inteiramente egrégio,

como uma tela do pintor Correggio,

sem resvalar no lodaçal maldito;

Faz-se preciso umas paixões bem retas,

cheias de uns tons de muito sol -completas...
10

faz-se preciso que do amor na febre,

nos grandes lances de vigor preclaro,

desse colar esplendoroso e raro,

nem uma pérola, uma só se quebre!...


Satanismo

Não me olhes assim, branca Arethusa,

peregrina inspiração dos meus cantares;

não me deixes a razão vagar confusa

ao relâmpago ideal de teus olhares.

Não me olhes, oh! não, porquanto eu penso
5

envolvido no luar das minhas cismas,

que o olhar que me dardejas -doido, imenso

tem a rápida explosão dos aneurismas.

Não me olhes. Oh! não, que o próprio inferno

problemático, fatal, cálido, eterno,
10

nos teus olhos, mulher, se foi cravar!...

Não me olhes, oh! não, que m'entolece

tanta luz, tanto sol -e até parece

que tens músicas cruéis dentro do olhar!...


Metamorfose

A Carlos Ferreira


O sol em fogo pelo ocaso explode

nesse estertor, que os crânios assoberba.

Vivo, o clarão, nuns frocos exacerba

dos ideais a original nevrose.

Da natureza os anafis mouriscos
5

ante o cariz da atmosfera muda,

soam queixosos, numa nota aguda,

da luz que esvai-se aos derradeiros discos.

O pensamento que flameja e luta

nos ares rasga aprofundado sulco...
10

A sombra desce nos lisins da gruta;

e a lua nova -a peregrina Onfale,

como em um plaustro luminoso, hiulco,

surge através dos pinheirais do vale.


Auréola equatorial

A Teodoreto Souto


Fundi em bronze a estrofe augusta dos prodígios,

poetas do Equador, artísticos Barnaves;

que o facho -abolição- rasgando as nuvens graves

de raios e bulcões -triunfa nos litígios!

-O rei Mamoud, o Sol, vibrou p'raquelas bandas
5

do Norte -a grande luz- elétrico, explodindo,

assim como quem vai, intrépido, subindo

à luz da idade nova -em claras propagandas.

-Os pássaros titãs nos seus conciliábulos,

-chilreiam, vão cantando em místicos vocábulos,
10

alargam-se os pulmões nevrálgicos das zonas;

Abri alas, abri! -Que em túnica de assombros,

irá passar por vós, com a Liberdade aos ombros,

como um colosso enorme o impávido Amazonas!


[Anda-me a alma inteira de tal sorte]

Anda-me a alma inteira de tal sorte,

meus gozos, meu pesar, nos dela unidos

que os dela são também os meus sentidos,

que o meu é também dela o mesmo norte.

Unidos corpo a corpo -um elo forte
5

nos prende eternamente -e nos ouvidos

sentimos sons iguais. Vemos floridos

os sons do porvir, em azul coorte...

O mesmo diapasão musicaliza

os seres de nós dois -um sol irisa
10

os nossos corações -dá luz, constela...

Anda esta vida, espiritualizada

por este amor -anda-me assim- ligada

a minha sombra com a sombra dela.


Noiva e triste

Rola da luz do céu, solta e desfralda

sobre ti mesma o pavilhão das crenças,

constele o teu olhar essas imensas

vagas do amor que no teu peito escalda.

A primorosa e límpida grinalda
5

há de enflorar-te as amplidões extensas

do teu pesar -há de rasgar-te as densas

sombras -o véu sobre a luzente espalda...

Inda não ri esse teu lábio rubro

hoje -inda n'alma, nesse azul delubro
10

não fulge o brilho que as paixões enastra;

mas, amanhã, no sorridor noivado,

a vida triste por que tens passado,

de madressilvas e jasmins se alastra.


Mãe e filho

Às mães desamparadas


Jesus, meu filho, o encanto das crianças,

quando na cruz, de angústia espedaçado,

em sangue casto e límpido banhado,

manso, tão manso como as pombas mansas;

embora as duras e afiadas lanças
5

com que os judeus, tinham, de lado a lado,

seu coração puríssimo varado,

inda no olhar raiavam-lhe esperanças.

Por isso, ó filho, ó meu amor -se a esmola

de algum conforto essencial não rola
10

por nós -é forca conduzir a cruz!...

Mas, volta ó filho, pesaroso e triste.

se a nossa vida só na dor consiste,

ah! minha mãe, por que morreu Jesus?...


Surdinas

Às raparigas tristes


Vais partir, vais partir que eu bem te vejo

na branca face os gélidos suores,

vais procurar as musicas melhores

do sol, da glória e do celeste beijo.

Dentro de ti as harpas do desejo
5

não vibram mais -embora que tu chores-

nem pelas tuas aflições maiores

se escuta um vago e enfraquecido arpejo...

Bem! vais partir, vais demandar esferas

amplas de luz, feitas de primaveras,
10

paisagens novas e amplidão florida...

Mas ao chegar-te a lágrima infinita,

lembra-te ainda, ó pálida bonita

de que houve alguém que te adorou na vida.


Irradiações

Às crianças


Qual da amplidão fantástica e serena

à luz vermelha e rútila da aurora

cai, gota a gota, o orvalho que avigora

a imaculada e cândida açucena.

Como na cruz, da triste Madalena
5

aos pés de Cristo, a lágrima sonora

caia, rolou, qual bálsamo que irrora

a negra mágoa, a indefinida pena...

Caia por vós, esplêndidas crianças

bando feliz de castas esperanças,
10

sonhos da estrela no infinito imersos;

caia por vós, as músicas formosas,

como um dilúvio matinal de rosas,

todo o luar benéfico dos versos!


Ambos

Vão pela estrada, à margem dos caminhos

arenosos, compridos, salutares,

por onde, à noite, os límpidos luares

dão às verduras leves tons de arminhos.

Nuvens alegres como os alvos linhos
5

cortam a doce compridão dos ares,

dentre as canções e os tropos singulares

dos inefáveis, meigos passarinhos.

Do céu feliz na branda curvidade,

a luz expande a inteira alacridade,
10

o mais supremo e encantador afago.

E com o olhar vibrante de desejos

vão decifrando os trêmulos arpejos,

e as reticências que produz o vago.


Os dois

Aos pobres


-Minha mãe, minha mãe, quanta grandeza

nesses palácios, quanta majestade;

como essa gente há de viver, como há de

ser grande sempre na feliz riqueza.

Nem uma lágrima sequer -e à mesa
5

dentre as baixelas, dentre a imensidade

da prata e do ouro -a azul felicidade

dos bons manjares de ótima surpresa.

Nem um instante os olhos rasos d'água,

nem a ligeira oscilação da mágoa
10

na vida farta de prazer, sonora.

-Como o teu louco pensamento expandes

filho -a ventura não é só dos grandes

porque, olha, o mar também é grande e... chora!


Triste

Vai-se extinguindo a viva labareda

que te abrasava o coração ridente...

Passas magoada pela rua e a gente

umas conversas funerais segreda.

Não tens no olhar o sangue qu'embebeda,
5

foram-se as rosas do viver contente...

Segues, agora, pobre flor -somente

da sepultura a essencial vereda.

E vem chegando o tenebroso inverno...

Mas nesse mal devorador e eterno,
10

teu organismo já não mais resiste

às punhaladas da estação de gelo...

E acabará como eu nem sei dizê-lo,

triste, bem triste, pesarosa, triste!


Aos mortos

Oh! não é bom rir-se de um morto -brusca

pois deve ser a sensação que aumenta

desoladora, vagarosa, lenta

da negra morte tétrica velhusca...

Tudo que em vida, como um sol, corusca,
5

que nos aquece, que nos acalenta,

tudo que a dor e a lágrima afugenta,

o olhar da morte nos apaga e ofusca...

Nunca se deve desprezar os mortos...

Nos regelados e sombrios portos,
10

onde a matéria se transforma e urge

exuberar na planturosa leiva,

vivem os mortos no vigor da seiva,

porque dão vida ao que da vida surge!...


Luar

Pelas esferas, nuvens peregrinas,

brandas de toques, encaracoladas,

passam de longe, tímidas, nevadas,

cruzando o azul sereno das colinas.

Sombras da tarde, sombras vespertinas
5

como escumilhas leves, delicadas,

caem da serra oblonga nas quebradas,

vão penumbrando as coisas cristalinas.

Rasga o silêncio a nota chã, plangente,

da Ave-Maria, -e então, nervosamente,
10

nuns inefáveis, espontâneos jorros

esbate o luar, de forma admirável,

claro, bondoso, elétrico, saudável,

na curvilínea compridão dos mortos.


Mocidade

Ah! esta mocidade! -Quem é moço

sente vibrar a febre enlouquecida

das ilusões, da crença mais florida

na muscular artéria de Colosso...

Das incertezas nunca mede o poço...
5

Asas abertas -na amplidão da vida,

páramo a dentro -de cabeça erguida,

vê do futuro o mais alegre esboço...

Chega a velhice, a neve das idades

e quem foi moço, volve, com saudades,
10

do azul passado, o fúlgido compêndio...

Ai! esta mocidade palpitante,

lembra um inseto de ouro, rutilante,

em derredor das chamas de um incêndio!


Soneto

Vão-se de todo os pardacentos nimbos...

Chovem da luz as nítidas faíscas

e no esplendor de irradiações mouriscas,

abrem-se as flores em gentis corimbos.

Muito mais lestas do que amigos fimbos,
5

do Azul cortando as bordaduras priscas,

pombas do mato esvoaçando, ariscas,

do céu se perdem nos profundos limbos.

A natureza pulsa como a forja...

Pássaros vibram no clarim da gorja,
10

as retumbantes, fortes clarinadas.

A grande artéria dos assombros pula...

E do oxigênio, a força que regula

enche os pulmões a largas baforadas.


Cega

Parece-me que a luz imaculada

que vem do teu olhar, todo doçuras,

não verte no meu ser aquelas puras

delícias de outra era já passada.

Eu creio que essa pálpebra adorada
5

não mais um flóreo empíreo de venturas

descobre-me -na noite de amarguras,

de dúvidas intérminas cortada.

Não olhas como olhavas, rindo, outrora,

não abres a pupila, como a aurora
10

nascendo, abre, feliz, radiosa e calma.

A sombra, nos teus olhos, funda, existe!...

tu'alma deve ser bem negra e triste

se os olhos são, decerto, o espelho d'alma.


(A) Ermida

Lá onde a calma e a placidez existe,

sobre as colinas que o vergel encobre,

aquela ermida como está tão pobre,

aquela ermida como está tão triste.

A minha musa, sem falar, assiste,
5

do meio-dia ante o aspecto nobre,

o vago, estranho e murmurante dobre

daquela ermida que aos trovões resiste

e às gargalhadas funéreas, sombrias

dos crus invernos e das ventanias,
10

do temporal desolador e forte.

Daquela triste esbranquiçada ermida,

que me recorda, me parece a vida

jogada às magoas e ilusões da sorte.


Água-forte

Do firmamento azul e curvilíneo

cai, fecundando as trêmulas raízes

dos laranjais, dos pâmpanos, das lises,

a luz do sol procriador, sanguíneo.

Pelo caminho agreste e retilíneo,
5

da tarde aos brandos, triunfais matizes,

a criançada, a chusma dos felizes,

esse de auroras perfumado escrínio,

volta da escola, rindo muito, aos saltos,

trepando, em bulha, aos árvoredos altos
10

enquanto o sol desce os outeiros longos...

Vai dentre alados madrigais risonhos,

do abecedário juvenil dos sonhos,

a soletrar os principais ditongos.


Alma que chora

A João Saldanha


Em vão do Cristo os olhos dulçurosos

onde há o sol do bem e da verdade,

cheios da luz eterna de saudade,

como dois mansos corações piedosos,

em vão do Cristo os olhos lacrimosos
5

e aquela doce e pura suavidade

do seu semblante, casto, de bondade,

cor do luar dos sonhos venturosos,

servem de exemplo à dor escruciante

que te apunhala e fere a cada instante,
10

a punhaladas ríspidas, austeras!

Viste partir a tua irmã, ai, viste,

como num céu enevoado e triste

o bando azul das fúlgidas quimeras...


Chuva de ouro

A Rainha desceu do Capitólio

agora mesmo -vede-lhe o regaço...

como tem flores, como traz o braço

farto de jóias, como pisa o sólio

triunfantemente, numa unção, num óleo
5

mais santo e doce que essa luz do espaço...

E como desce com bravura de aço...

Pois se a Rainha, como um rico espólio,

o seu brioso coração foi dando

aos pobrezinhos, que inda estão gozando
10

bênçãos mais puras qu'os clarões diurnos,

por certo que há de vir descendo a escada

do Capitólio da virtude -olhada

pelos albergues infantis, noturnos!


Primavera a fora

Escute, excelentíssima: -que aragens

traz do arvoredo a fresca romaria;

como este sol é rubro de alegria,

que tons de luz nas límpidas paisagens.

Pois beba este ar e goze estas viagens
5

das brancas aves, sinta esta harmonia

da natureza e deste alegre dia

que resplandece e ri-se nas ervagens.

Deixe lá fora estrangular-se o mundo...

Encare o céu e veja este fecundo
10

chão que produz e que germina as flores.

Vamos, senhora, o braço à primavera,

e numa doce música sincera,

cante a balada eterna dos amores...


25 de março

Em Pernambuco para o Ceará

A província do Ceará, sendo berço de Alencar e
Francisco Nascimento -o dragão do mar- é
consequentemente a mãe da literatura e a mãe
da humanidade.


Bem como uma cabeça inteiramente nua

de sonhos e pensar, de arroubos e de luzes,

o sol de surpreso esconde-se, recua,

na órbita traçada -de fogo dos obuses.

Da enérgica batalha estóica do Direito
5

desaba a escravatura -a lei cujos fossos

se ergue a consciência -e a onda em mil destroços

resvala e tomba e cai o branco preconceito.

E o Novo Continente, ao largo e grande esforço

de gerações de heróis -presentes pelo dorso
10

à rubra luz da glória -enquanto voa e zumbe

o inseto do terror, a treva que amortalha,

as lágrimas do Rei e os bravos da canalha,

o velho escravagismo estéril que sucumbe.


(Recife, 1885)

Ninho abandonado

À distinta família Simas, pela morte de seu chefe,
o Ilmo. Sr. João da Silva Simas


O vosso lar harmônico e tranqüilo

era um ninho de luz e de esperanças

que como abelhas iriadas, mansas,

nos vossos corações tinham asilo.

Havia lá por dentro tanta crença
5

e tanto amor puríssimo, cantando,

que parecia um largo sol faiscando

por majestosa catedral imensa.

Agora o ninho está desamparado!

Sumiu-se dele o pássaro adorado,
10

o mais ideal dos pássaros do ninho.

Não se ouve mais a música sonora

da sua voz -dentro do ninho, agora,

paira a saudade como um bom carinho.


Crença

Filha do céu, a pura crença é isto

que eu vejo em ti, na vastidão das cousas,

nessa mudez castíssima das lousas,

no belo rosto sonhador do Cristo.

A crença é tudo quanto tenho visto
5

nos olhos teus, quando a cabeça pousas

sobre o meu colo e que dizer não ousas

todo esse amor que eu venço e que conquisto.

A crença é ter os peregrinos olhos

abertos sempre aos ríspidos escolhos;
10

tê-los à frente de qualquer farol

e conservá-los, simplesmente acesos

como dois fachos -engastados, presos

nas radiações prismáticas do sol!


Cristo e a adúltera

Grupo de Bernardelli

Sente-se a extrema comoção do artista

no grupo ideal de plácida candura,

nesse esplendor tão fino da escultura

para onde a luz de todo o olhar enrista.

Que campo, ali, de rútila conquista
5

deve rasgar, do mármore na alvura,

o estatuário -que amplidão segura

tem -de alma e braço, de razão e vista!

Vê-se a mulher que implora, ajoelhada,

a mais serena compaixão sagrada
10

de um Cristo feito a largos tons gloriosos.

De um Nazareno compassivo e terno,

d'olhos que lembram, cheios de falerno,

dois inefáveis corações piedosos!


Éxtase de mármore

À grande atriz Apolônia


O mármore profundo e cinzelado

de uma estátua viril, deliciosa;

essa pedra que geme, anseia e goza

num misticismo altíssimo e calado;

essa pedra imortal -campo rasgado
5

a comoção mais íntima e nervosa

da alma do artista, de um frescor de rosa,

feita do azul de um céu muito azulado;

se te visse o clarão que pelos ombros

teus, rola, cai, nos múltiplos assombros
10

da Arte sonora, plena de harmonia;

o mármore feliz que é muito artista

também -como tu és- à tua vista

de humildade e ciúme, coraria!


Inverno

Amanheceu -no topo da colina

um céu de madrepérola se arqueia

limpo, lavado, reluzindo -ondeia

o perfume da selva esmeraldina.

Uma luz virginal e cristalina,
5

como de um rio a transbordante cheia,

alaga as terras culturais e arreia

de pingos d'ouro os verdes da campina.

Um sol pagão, de um louro gema d'ovo,

já tão antigo e quase sempre novo,
10

surge na frígida estação do inverno.

-Chilreiam muito em árvores frondosas

pássaros -fulge o orvalho pelas rosas

como o vigor no espírito moderno.


Falando ao céu

Falas ao Céu, Amor! Em vão tu falas!

Mas o Céu, esse é velho, esse é velhinho,

todo ele é branco, faz lembrar o linho

dos leitos alvos onde tu te embalas.

A alma do Céu é como velhas salas
5

sem ar, sem luz, como lares sem vinho,

sem água e pão, sem fogo e sem carinho,

sem as mais toscas, as mais simples galas.

Sempre surdo, hoje o céu é mudo, é cego...

jamais o coração ao céu entrego,
10

eu que tão cego vou por entre abrolhos.

Mas se o queres tornar jovem e louro

dá-lhe o bordão do teu amor um pouco,

fala e vista, com a vida dos teus olhos...


Gloriosa

A Araújo Figueredo


Pomba! dos céus me dizes que vieste,

toda c'roada de astros e de rosas,

mas há regiões mais que essas luminosas.

Não, tu não vens da região celeste

há um outro esplendor em tua veste,
5

uma outra luz nas tranças primorosas,

outra harmonia em teu olhar -maviosas

cousas em ti que tu nunca tiveste.

Não, tu não vens das célicas planuras,

do Éden que ri e canta nas alturas
10

como essa voz que dos teus lábios tomba.

Vens de mais longe, vens doutras paragens,

vens doutros céus de místicas celagens,

sim, vens de sóis e das auroras, pomba.


O chalé

É um chalé luzido e aristocrático,

de fulgurantes, ricos arabescos,

janelas livres para os ares frescos,

galante, raro, encantador, simpático.

O sol que vibra em rubro tom prismático,
5

no resplendor dos luxos principescos,

dá-lhe uns alegres tiques romanescos,

um colorido ideal silforimático.

Há um jardim de rosas singulares,

lírios joviais e rosas não vulgares,
10

brancas e azuis e roxas purpúreas.

E a luz do luar caindo em brilhos vagos,

na placidez de adormecidos lagos

abre esquisitas radiações sulfúreas.


Delírio do som

O Boabdil mais doce que um carinho,

o teu piano ebúrneo soluçava,

e cada nota, amor, que ele vibrava,

era-me n'alma um sol desfeito em vinho.

Me parecia a música do arminho,
5

o perfume do lírio que cantava,

a estrela-d'alva que nos céus entoava

uma canção dulcíssima baixinho.

Incomparável, teu piano -e eu cria

ver-te no espaço, em fluidos de harmonia,
10

bela, serena, vaporosa e nua;

Como as visões olímpicas do Reno,

cantando ao ar um delicioso treno

vago e dolente, com uns tons de lua.


Ilusões mortas

A Virgílio Várzea


Os meus amores vão-se mar em fora,

e vão-se mar em fora os meus amores,

a murchar, a murchar, como essas flores

sem mais orvalho e a doce luz da aurora.

E os meus amores não virão agora,
5

não baterão as asas multicores,

como aves mansas -dentre os esplendores

do meu prazer, do meu prazer de outrora.

Tudo emigrou, rasgando a esfera branca

das ilusões, -tudo em revoada franca
10

partiu -deixando um bem-estar saudoso

no fundo ideal de toda a minha vida,

qual numa taça a gota indefinida

de um bom licor antigo e saboroso.


O sonho do astrólogo

As fulgurosas, rútilas estrelas

como mundos de mundos seculares,

formando uns arquipélagos, uns mares

de luz -como eu deslumbro o olhar ao vê-las.

Ah! se como eu sei compreendê-las,
5

sentir-lhes os seus filtros salutares,

pudesse, da amplidão fria dos ares

arrancá-las, na mão sempre trazê-las;

que vagalhões de assombros palpitantes

não me viriam perpassar, faiscantes,
10

dentro do ser, nuns doutros murmúrios.

Eu saberia muito mais a causa

da evolução que nunca teve pausa,

que é uma audácia transbordando em rios.


Cristo

Cristo morreu, ó tristes criaturas,

era matéria como vós, morreu;

e quando à noite sepulcral desceu

gelou com ele o oceano das ternuras.

Nunca outro sol de irradiações mais puras
5

subiu tão alto e tanto resplendeu,

nunca ninguém tão firme combateu

da humanidade todas as torturas.

Morreu, que se ele, o Deus, ressuscitasse,

limpa de sangue e lágrimas a face,
10

os seus olhos tranqüilos, virginais,

dons inefáveis, corações piedosos,

tinham de abrir-se muito dolorosos,

também chorando quando vós chorais!


Frutas de maio

Maio chegou -alegre e transparente,

cheio de brilho e música nos ares,

de cristalinos risos salutares,

frio, porém, ó gota alvinitente.

Corre um fluido suave e odorescente
5

das laranjeiras, como dos altares

o incenso -e, como a gaze azul dos mares,

leve -há por tudo um beijo, docemente.

Isto bem cedo, de manhã -adiante

pela tarde um sol calmo, agonizante,
10

põe no horizonte resplendentes franjas.

Há carinhos, da luz em cada raio,

filha -e eu que adoro este frescor de maio

muito, mas muito -trago-te laranjas.


Eterno sonho

Quelle est donc cette femme?

Je ne comprendra pas.

Félix Arvers



Talvez alguém estes meus versos lendo

não entenda que amor neles palpita,

nem que saudade trágica, infinita

por dentro deles sempre está vivendo.

Talvez que ela não fique percebendo
5

a paixão que me enleva e que me agita,

como de uma alma dolorosa, aflita

que um sentimento vai desfalecendo.

E talvez que ela ao ler-me, com piedade,

diga, a sorrir, num pouco de amizade,
10

boa, gentil e carinhosa e franca:

-Ah! bem conheço o teu afeto triste...

E se em minha alma o mesmo não existe,

é que tens essa cor e é que eu sou branca!


Impassível

Teu coração de mármore não ama

nem um dia sequer, nem um só dia.

Essa inclemente natureza fria

jamais na luz dos astros se derrama.

Mares e céus, a imensidade clama
5

por esse olhar d'estrelas e harmonia,

sem uma névoa de melancolia,

do amor nas pompas e na viva chama.

A Imensidade nunca mais quer vê-lo,

indiferente às comoções, de gelo
10

ao mar, ao sol, aos roseirais de aromas.

Ama com o teu olhar, que a tudo encantas,

ou sê antes de pedra, como as santas,

mudas e tristes dentro das redomas.


Sonetos

Do som, da luz entre os joviais duetos,

como uma chusma alada de gaivotas,

vindos das largas amplidões remotas,

batem as asas todos os sonetos.

Vão -por estradas, por difíceis rotas,
5

quatorze versos -entre dois quartetos

e duas belas e luzidas frotas

rijas, seguras, de mais dois tercetos.

Com a brunida lâmina da rima,

vão céus radiosos, horizontes acima,
10

pelas paragens límpidas, gentis,

atravessando o campo das quimeras,

aberto ao sol das flóreas primaveras,

todo estrelado de áureos colibris.


To sleep, to dream

Dormir, sonhar -o poeta inglês o disse...

Ah! Mas se a gente nunca mais sonhasse

ah! Mas se a gente nunca mais dormisse

e as ilusões não mais acalentasse?

E o que importava que o futuro risse
5

de um visionário que tal cousa ideasse;

se não seria o único que abrisse

uma exceção da vida humana à face?...

Se os imortais filósofos modernos

que derrubaram todos os infernos,
10

que destruíram toda a teogonia.

Orientando a triste humanidade,

deixaram, mais e mais, a piedade

inteiramente desolada e fria?


Visão medieva

Quando em outras remotas primaveras,

na Idade Média, sob fuscos tetos,

dois amantes passavam, mil aspectos

tinham aquelas medievais quimeras.

Nas armaduras rígidas e austeras,
5

na aérea perspectiva dos objetos

andavam sonhos e visões, diletos

segredos mortos nas extintas eras.

O fantasma do amor pelos castelos

mudo vagava entre os luares belos,
10

dos corredores nas paredes frias.

Não raro se escutava um som de passos,

rumor de beijos, frêmito de abraços

pelas caladas, fundas galerias.


Recordação

Foi por aqui, sob estes arvoredos,

sob este doce e plácido horizonte,

perto da clara e pequenina fonte

que murmura lá baixo os seus segredos...

Recordo bem todos os cantos ledos
5

da passarada -e lembro-me da ponte

por sobre a qual via-se além, defronte,

o mar azul batendo nos penedos.

Sinto a impressão ainda da paisagem,

do trêmulo [...] da folhagem,
10

das culturas rurais, do sítio agreste.

A luz do dia vinha então morrendo...

foi por aqui que eu pude ficar crendo

o quanto pode o teu olhar celeste.


Roma pagã

Na antiga Roma, quando a saturnal fremente

exerceu sobre tudo o báquico domínio,

não era raro ver nos gozos do triclínio

a nudez feminina imperiosa e quente.

O corpo de alabastro, olímpico e fulgente,
5

lascivamente nu, correto e retilíneo,

num doce tom de cor, esplêndido e sangüíneo,

tinha o assombro da carne e a forma da serpente.

A luz atravessava em frocos d'oiro e rosa

pela fresca epiderme, ebúrnea e cetinosa,
10

macia, da maciez dulcíssima de arminhos.

Menos raro, porém, do que a nudez romana

era ver borbulhar, em férvida espadana

a púrpura do sangue e a púrpura dos vinhos.


Espiritualismo

Ontem, à tarde, alguns trabalhadores,

habitantes de além, de sobre a serra,

cavavam, revolviam toda a terra,

do sol entre os metálicos fulgores.

Cada um deles ali tinha os ardores
5

de febre de lutar, a luz que encerra

toda a nobreza do trabalho e -que erra

só na cabeça dos conspiradores,

desses obscuros revolucionários

do bem fecundo e cultural das leivas
10

que são da Vida os maternais sacrários.

E pareceu-me que do chão estuante

vi porejar um bálsamo de seivas

geradoras de um mundo mais pensante.


Alma antiga

Põe a tua alma francamente aberta

ao sol que pelos páramos faísca,

que o sol para a tua alma velha e prisca

deve de ser como um clarim de alerta.

Desperta, pois, por entre o sol, desperta
5

como de um ninho a pomba quente e arisca

à luz da aurora que dos altos risca

de listrões d'ouro a vastidão deserta.

Vai por abril em flores gorjeando

como pássaro êxul as canções leves
10

que os ventos vão nas árvores deixando.

E tira da tua alma, ó doce amiga,

almas serenas, puras como a neve,

almas mais novas que a tua alma antiga!


A partida

Partimos muito cedo -a madrugada

clara, serena, vaporosa e fresca,

tinha as nuances de mulher tudesca

de fina carne esplêndida e rosada.

Seguimos sempre afora pela estrada
5

franca, poeirenta, alegre e pitoresca,

dentre o frescor e a luz madrigalesca

da natureza aos poucos acordada.

Depois, no fim, lá de algum tempo -quando

chegamos nós ao termo da viagem,
10

ambos joviais, a rir, cantarolando,

da mesma parte do levante, de onde

saímos, pois, faiscava na paisagem

o sol, radioso e altivo como um conde.


Canção de abril

Vejo-te, enfim, alegre e satisfeita.

ora bem, ora bem! -Vamos embora

por estes campos e rosais afora

de onde a tribo das aves nos espreita.

Deixa que eu faça a matinal colheita
5

dos teus sonhos azuis em cada aurora,

agora que este abril nos canta, agora,

a florida canção que nos deleita.

Solta essa fulva cabeleira de ouro

e vem, subjuga com teu busto louro
10

o sol que os mundos vai radiando e abrindo.

E verás, ao raiar dessa beleza,

nesse esplendor da virgem natureza,

astros e flores palpitando e rindo.


O mar

Que nostalgia vem das tuas vagas,

ó velho mar, ó lutador Oceano!

Tu de saudades íntimas alagas

o mais profundo coração humano.

Sim! Do teu choro enorme e soberano,
5

do teu gemer nas desoladas plagas

sai o [...] que é, rude sultão ufano,

que abre nos peitos verdadeiras chagas.

Ó mar! ó mar! embora esse eletrismo,

tu tens em ti o gérmen do lirismo,
10

és um poeta lírico demais.

E eu para rir com humor das tuas

nevroses colossais, bastam-me as luas

quando fazem luzir os seus metais...


[Brancas aparições, visões renanas]

Brancas Aparições, Visões renanas,

imagens dos Ascetas peregrinos,

hinos nevoentos, neblinosos hinos

das brumosas igrejas luteranas.

Vago mistério das regiões indianas,
5

sonhos do Azul dos astros cristalinos,

coros de Arcanjos, claros sons divinos

dos Arcanjos, nas tiorbas soberanas.

Tudo ressurge na minh'alma e vaga

num fluido ideal que me arrebata e alaga,
10

no abandono mais lânguido mais lasso...

Quando lá nos sacrários do Cruzeiro

a lua rasga o trêmulo nevoeiro,

magoada de vigílias e cansaço...


Guerra junqueiro

Quando ele do Universo o largo supedâneo

galgou como os clarões -quebrando o que não serve,

fazendo que explodissem os astros de seu crânio,

as gemas da razão e os músculos da verve;

quando ele esfuziou nos páramos as trompas,
5

as trompas marciais -as liras do estupendo,

pejadas de prodígios, assombros e de pompas,

crescendo em projeções, crescendo e recrescendo;

quando ele retesou os nervos e as artérias

do verso orbicular -rasgando das misérias
10

o ventre do Ideal na forte hematêmese.

Clamando -é minha a luz, que o século propague-a,

quando ele avassalou os píncaros da águia

e o sol do Equador vibrou-lhe aquelas teses!


Diversas métricas

A meu distinto amigo e talentoso jovem

José Arthur Boiteux



O livro, esse audaz guerreiro,

que conquista o mundo inteiro,

sem nunca ter Waterloo!...


Castro Alves



Away!

Avante, sempre, nessa luz serena,

empunha a pena, sem temor, com fé!...

Eleva às turbas as idéias d'ouro,

que um tesouro tua fronte é!...

Eia, caminha nessa senda nobre,
5

na pátria pobre, no teu berço aqui!...

Prossegue altivo, sem parar, constante,

faz-te gigante, diz depois -Venci!...

Ala-te à glória num voar titânio,

burila o crânio de fulgor sem fim!...
10

E entre o livro d'imortais perfumes

calca os ciúmes d'imbecil Caim!

Imita os grandes, incansáveis vultos

que lá sepultos no pó negro estão!...

Anda, romeiro dos vergéis divinos,
15

mergulha em hinos a gentil razão!

Estás na quadra radiante e linda,

é cedo ainda para enfim descrer!

és jovem... pensas... és portanto um bravo

ser ignavo... é sucumbir... morrer!
20

Vamos, caminha, mesmo embora exangue

da fronte o sangue vá rolar-te aos pés!

Agita a alma qual febris as vagas,

que dessas chagas brotarão lauréis!

Além do livro, colossal, enorme,
25

que nunca dorme perscrutando os céus!

Acima dele supernal, potente

está somente, tão-somente Deus!

Vai!... vai rasgando, percorrendo os ares,

novos palmares, meu gentil condor!
30

Depois de teres pedestal seguro

lá do futuro te erguerás senhor!...

Qual Ney ousado que, ao vibrar da lança,

nutre esperança de ganhar, vencer,

assim co'a idéia vai lutar, trabalha,
35

vence a batalha do dinal saber.

Eia que sempre na brasília história

de alta glória colherás o jus!...

O livro augusto do porvir descerra,

sê desta terra precursor da luz!!!
40


Poesia

C'est la musique la poesie de l'âme; et la gloire est Dieu, ce sont les deux choses les plus charmantes, les plus belles, les plus grandes de la vie!

Do Autor



Da música escutando preclaras harmonias

vendo em cada lábio brilhar ledo sorriso

vendo luz e flores e tanto entusiasmo

julguei-me transportado ao célico Paraíso!

Foi sonho na verdade -mas hoje realizado
5

vos dá, distintos sócios, venturas mais de mil,

a vós que à frente tendo Penedo, grande, forte,

subis, alistridente, qual ave mais gazil!

E quando executais as vossas belas peças

as notas quais gemidos vagam n'amplidão
10

parece que o infinito derrama sobre vós

centelhas sublimadas só d'inspiração!

da arte de Mozart vós sois grandes romeiros

lutais como nas vagas o triste palinuro,

os olhos tendes fitos na glória que dá brilho
15

no livro tricolor e ovante do futuro!

Hoje que os sorrisos assomam em vossos lábios

que da «Guarani» alçais áureo pendão,

eu humilde e fraco -com flores inodoras

somente aqui vos venho fazer uma ovação!
20

Quando há só coragem, força, intrepidez

quando se alimenta no peito divo ardor,

o homem não recua, caminha p'ro progresso

co'a fronte sempre erguida, sem ter menor temor,

Sem ter algum trabalho jamais s'alcança trono
25

sem ter valor e força jamais se tem lauréis

p'ra vossa grande glória, além do grã futuro

Deus já tem erectos milhares de dosséis!

Mas dentre vós vulto sereno se destaca

qual Rodes portentoso, imenso, verdadeiro
30

que nunca recuou sequer um só momento

que sempre em trabalhar foi pronto companheiro!

É este vosso sócio, digno diretor

que forte não pensou jamais em recuar!

É José Gonçalves -águia valorosa
35

a quem, altivamente, eu ouso aqui louvar!

Vencendo mil tropeços, altiva os derribando

a bela «Guarani» se mostra triunfante,

foi como esses heróis -na mão sustenta o gládio

-o gládio da vitória serena e radiante!
40

Portanto erguei ridente a fronte ao infinito!

Erguei ó grandes bravos a fronte toda luz!

Eia, a senda é bela, sublime, é grandiosa

avante pois ness'arte, avante, avante, sus!

E agora concluindo palavras pobrezinhas
45

que eu pronunciar humilde vim aqui,

saúdo fervoroso -do imo de minh'alma

a essa tão gentil, simpática «Guarani»!


Saudação

Qual o que não exulta ao ler uma epopéia!

Qual o que a ver dor não lhe estremece o crânio,

em confusões cruéis?!

Qual o que tem fresca, sublime, pronta a idéia,

e do altar da caridade no supedâneo,

não deixa alguns lauréis?!

Do Autor



Ontem, grande desgraça

que o povo se abraça

d'Itajaí em geral!

Ontem, o cetro divino

que se tornando ferino
5

tudo esmaga afinal!

Ontem, prantos e dor...

Grandes gritos d'horror...

A fatal confusão!

Ontem, lampas perdidas
10

de centenas de vidas,

que nas águas lá vão!

Ontem, negras as vagas,

os belos céus, essas plagas,

-onde existe o Senhor!
15

Ontem, -fatalidade!

a pobrezinha cidade

toda envolta em negror!

Hoje, oh! Deus sempiterno!

-O teu gládio superno
20

de bonança a irradir,

veio ao povo esmagado

ao tredo peso do fado

fazer do caos ressurgir!

Hoje, o íris brilhante
25

lá nos céus, radiante,

já se faz divulgar!

E todo o povo prostrado

te agradece arroubado

mas ainda a chorar!
30

E corações caridosos

farão a dar pressurosos

os seus globos gentis!

Dai! é doce a esmola!

Ela aos pobres consola,
35

torna-os ledos, gazis!

A miséria chorava

em delírio bradava

por um pouco de pão!

E eles foram dizendo
40

-ide, pois vos mantendo,

aqui tendes a mão!

E vós -lá no tablado,

o mor rasgo, elevado,

de fazer acabais!
45

É um rasgo de glória

de brilhante memória

pros vindouros anais!

Vós fazeis do cenário

um dinal santuário
50

trabalhando p'ra pobres!

Mostrais bem que nas almas

possuís celsas palmas

de ações muito nobres!

P'ra louvar amadores,
55

tantas lutas, labores,

tanta excelsa virtude!

Ah! me falta uma lira

que um poema desfira...

Ai! me falta alaúde!
60

Só Deus pode dar louros

de mil glórias, tesouros,

como vós mereceis!

Pois que feitos tão divos,

tão imensos, altivos
65

só d'heróis ou de reis!

Amadores briosos!

Vós sois tão valorosos

qual os bravos na guerra!

Sois os nautas valentes
70

socorrendo ridentes

quem cá gema na terra!

Amor, Deus, Caridade

-é a sublime trindade

radiante de Luz!
75

Donde vós, amadores,

Ll colheis os fulgores,

de mil graças a flux!


(Desterro, 14 nov. 1880)

A imprensa

A Imprensa é brilhante como
o meteoro, sublime como os
arrebóis do cerúleo infinito!

Do Autor



A lâmpada gigantesca

das glórias do porvir,

turíbulo majestoso

no mundo a irradir,

é a imprensa tesouro
5

e c'roa de verde louro

à fronte do escritor!

É centelha sublimada

que vem do céu arrojada

á treva dando fulgor!
10

-O homem nasceu pequeno

mas com as letras cresceu

foi como o vulto de Rodes

que lá tão alto s'ergueu!

Foi preciso -estudando
15

co'a própria idéia lutando

mergulhar-se na luz!

Foi preciso ter glória,

brilhante, leda memória,

colher renomes a flux!
20

Foi preciso mil lutas

mil labores insanos

p'ra descobrir nesses mundos

da diva luz os arcanos!

Foi preciso que um bravo
25

não mostrando-se ignavo

mas inspirado por Deus!

A pedra bruta talhasse

e a luz então derramasse

qual seiva santa dos Céus!
30

Foi preciso os séculos

ainda um pouco nas trevas

erguessem as frontes bem alto

e devastassem mil selvas!

Foi preciso que o mundo
35

sentisse abalo profundo

ao desvendar-se o saber!

Foi preciso que os entes

ou se erguessem potentes

ou tombassem a morrer!
40

Mas não! -o homem ergueu-se,

quase, quase com Deus

tirou a fronte da treva

e só pregou-a nos Céus!

Viu o futuro de louros
45

e quis colher os tesouros

que dão renome sem fim!

Sonhou, sonhou co'a vitória

e o gládio teve da glória

qual o grão Bernardim!
50

O homem, gênio sublime,

caminha, com seu bordão

até achar o brilhante

a luz, a luz da razão!

Tropeça um pouco, se tomba
55

ergue-se, voa qual pomba

e indo a luz descobrir,

busca ouvir no infinito

do eco ao longe este grito:

Trabalha para o porvir!
60

Quando os povos modernos,

sentirem no coração

uma ardente centelha

que caia lá d'amplidão!

Deixarão esses vícios,
65

insanos, negros, fictícios

que dão só noite ao viver!

E irão curvados a ela

depor-lhe verde capela

farão então por crescer!
70

Camões, Milton, Abreu,

já da vida sem lampas,

erguei-vos crânios altivos

espedaçai essas campas!

Dizei -se o homem caminha
75

se na treva definha

a quem se deve louvar?!...

S'as letras seguem ovantes

dizei ó nobres gigantes

a quem se ergue alcaçar?!!...
80

E Guttemberg esse herói,

essa vergôntea dinal,

que co'escopro na destra!

Foi das letras fanal!

Ao descobrir a imprensa
85

essa epopéia imensa

para toda a nação,

com glória ingente sonhava

na luz por certo nadava

já tinha os louros na mão!
90


(Desterro, 21 nov. 1880)

Versos

Admirai Carrara, Canova, Rafael,
Murillo, Mozart e Verdi e tereis
as sublimes, mais que sublimes,
as divinas encarnações da arte!

Do Autor



Bravo, prole bendita

pois à glória infinita

o lutar vos conduz!

É assim -trabalhando

sempre e sempre estudando
5

que se alcança mais luz!

Contemplai estas flores

estes tantos lavores

contemplai o painel!

Repetindo orgulhosos
10

estes feitos briosos

são dum belo pincel!

Eia, jovens, avante!

Ser artista é brilhante,

trabalhar é uma lei!
15

Não são só os c'roados

que merecem em brados

ter as honras de rei!

O artista qu'é pobre

é tão rico, é tão nobre
20

qual potente césar!

E a glória bem cedo

lhe murmura o segredo

-És artista -és sem par!

Não temais os pampeiros
25

sois gentis brasileiros

deveis pois progredir!

Quem vos traça na história

vossa augusta memória

é um deus -o Porvir!
30

Levantai-vos potentes

altanados, ingentes

e fazei-vos Criseus!

Só quem pode vergar-vos

e pensar obumbrar-vos
35

mais ninguém -é só Deus!

Não fiqueis ignavos

que o futuro dá bravos

vos dizendo -estudai!

Sois humanos -portanto
40

se há de trevas um manto

apressai-vos, rasgai!

Nossa pátria querida

necessita mais vida,

necessita crescer!
45

É preciso contudo

que tenhais como escudo

quem vos mostra o saber!

E de obreiros altivos,

que sereis redivivos
50

que sereis imortais,

achareis vossos nomes

vossos grandes renomes

nas mansões divinais!

Perdoai-me estas flores
55

que tão murchas, sem cores

nada podem valer!

São ofertas sinceras

arrancadas deveras

para vir vos trazer!
60

Palinuros -à frente

esse trilho é ridente

dás-vos honra, louvor!

Quem o braço vos guia

nunca, nunca entibia-
65

-É artista... e pintor!

É a vós a quem falo

e se hoje eu não calo

estas vãs expressões!

É que a louca alegria
70

em minh'alma irradia

com fulgentes clarões!

O trabalho enobrece

glorifica, engrandece

aos artistas quais vós!
75

Que zombando da sorte

têm a tela por norte

os pincéis por faróis!

Eia! nessa carreira

qual a nau sobranceira
80

indo o mar a fender!

Quando há negros abrolhos,

mil cachopos, escolhos

é mais belo o vencer!

Se o lutar é dos grandes
85

que são gêmeos dos Andes

que não sabem tombar!

Colhereis uma glória

mais suprema memória,

trabalhando, a lutar!
90

Deus, o Deus sublimado

disse ao homem num brado,

da sidérea mansão!

-Vai depressa arrimar-te

aos arcanos da arte,
95

que terás um bordão!

Onde há braços d'artista

é seu ponto de vista

decepar escarcéus!

E seu gládio seguro
100

vai cavar o futuro

vai rasgar negros véus!

E lá quando os vindouros

vos c'roarem de louros

vos erguerem dossel!
105

Bradarão altaneiros:

-Exultai brasileiros,

ressurgiu Rafael!

Não temais os insanos,

insensatos humanos
110

bajulantes e maus!

Trabalhai muito embora!

Há de vir uma aurora

p'ra arrancá-los do caos!

Away, estudantes
115

sois vergônteas pujantes

a lauréis tendes jus!

Caminhai com coragem,

qu'esta é a romagem

dos apóstolos da luz!!!...
120